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Os desafios e responsabilidades de ser professor

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Publicado: Sexta, 26 de Outubro de 2018, 14h41 | Última atualização em Segunda, 29 de Outubro de 2018, 15h56 | Acessos: 956

Em palestra inquietante e provocadora, o ato de ensinar foi dissecado, revelando-se a complexidade inerente à carreira docente e a necessidade de inovação nas práticas pedagógicas.

O que, afinal, é ser professor? Tornar-se professor é passar a atuar dentro da sala de aula? Basta ter o domínio do conteúdo a ser ministrado, ou é preciso algo mais? Essas perguntas, às vezes tão esquecidas por uns ou consideradas terreno árido por outros, vieram à tona nesta quarta-feira, 24 de outubro, durante a palestra Indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Ministrada pela professora e pesquisadora em Educação Maria Antônia Azevedo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a exposição integrou os eventos de pesquisa e pós-graduação sediados pelo Campus Rio Verde do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) na semana de 22 a 26 de outubro.

Antes de ingressar na discussão principal de sua fala, a pesquisadora tratou de um tema que considera caro: a formação da identidade institucional, contextualizando-a no desafio assumido pelos Institutos Federais – instituições que abarcam, ao mesmo tempo, a Educação Básica, a Superior e, ainda, a pós-graduação. Conforme Azevedo, é fundamental que se saiba “onde está” e com qual propósito, para que os estudantes e até os próprios professores possam construir o que ela chamou de profissionalidade e intervenção docente. Ela elogiou o trabalho feito pelo IF Goiano: “eu estudo bastante o Ensino Superior e percebo que vocês aqui estão de fato tentando articular, e aí construir uma identidade institucional, que vai partir do princípio de que eu preciso ter uma educação básica focada no Ensino Médio e Técnico mas que ao mesmo tempo eu não perca de vista que eu estou no contexto universitário e que eu não posso desconsiderar a graduação e a pós-graduação”, afirmou.

Uma vez posto o contexto em que atuam os IFs, Azevedo iniciou sua exposição sobre a prática docente, já largando inquietações sobre a plateia. “O pessoal acha que docência é simplesmente dar aula, e aí começa a discussão. Se nós somos professores, nós assumimos uma profissão árdua – nós trabalhamos com a complexidade, com a insegurança, com a incerteza. Nós não temos manual”, afirmou. Para ela, é preciso que o docente de fato se torne professor, encarando a atividade de ensinar como profissão em si, em vez de apenas um “quebra-galho” derivado de sua formação original. Ela trouxe a fala da pedagoga Selma Pimenta, que já foi sua professora, para exemplificar a banalização da atividade docente: “É com muita tristeza que no Brasil o médico dorme médico e acorda professor, mas nunca um professor dorme professor e acorda médico”, narrou.

Se o professor é o profissional do saber, “não basta e não pode bastar” apenas o domínio dos conhecimentos específicos sobre o conteúdo das disciplinas. É necessário entender que os saberes próprios da prática docente precisam ser, também, apreendidos. “A pessoa vira professora e fala ‘Se eu sou professor, eu ensino’. Não! Ao assumir a docência, você precisa aprender. E é duro porque parece que quanto mais título têm-se como professor, enche-se de uma certeza que não nos ajuda a realmente ensinar com qualidade e competência”, explica Azevedo. Mas aprender o quê? Quais são esses saberes? Nas palavras da palestrante, são os conhecimentos pedagógicos, muitas vezes desprezados, mas essenciais para o ato de formar, para contribuir com a aprendizagem do outro, independentemente do nível de ensino ou da área de conhecimento.

(Foto: Ícaro Lunas)


Currículos e políticas públicas – Em São Paulo, apresentou a pesquisadora, os professores têm sido obrigados a usarem uma cartilha específica em sala de aula, limitando sua atuação mesmo para escolha do material didático a ser empregado e punindo escolas em que os estudantes não tenham aprovação na Prova Brasil. É por esse motivo, dentre outros, que ser docente envolve também entender da construção e do que envolve, politicamente, os projetos curriculares e as políticas públicas. “Nós, professores universitários, dos Institutos Federais, do ensino básico, precisamos entender que uma política de currículo, seja federal ou estadual, mexe com a construção da sua intervenção enquanto profissional”, alerta Azevedo. A autonomia das instituições e da própria prática docente são “questões caras” e que envolvem uma luta permanente sobre o direito de pensar.

Aprofundando a discussão, a palestrante jogou para a palestra uma pergunta inquietante: quantos professores temos que nos fazem pensar? Além do domínio do conteúdo, o trabalho docente envolve o correto planejamento das aulas e a adoção de metodologias que despertem interesse nos estudantes e, no espaço formativo, corrobore para a formação não somente de profissionais, mas de cidadãos reais, críticos e conscientes. E, para tudo isso, reforçou Azevedo, colaboram os saberes profissionais específicos da docência, que “podem nos ajudar a nos tornarmos melhores profissionais”. Ela combateu a noção simplista de que ensinar é transmitir conhecimento, pois a atividade professoral é muito mais abrangente. É, nos dizeres da pesquisadora, possibilitar que o conhecimento seja apreendido e desenvolvido, e providenciar para isso espaços em que os discentes construam, em ação participativa, o conhecimento.

Sobre a valorização da atuação ativa dos próprios estudantes, Azevedo chamou atenção para a valorização dos conhecimentos que eles trazem consigo, o chamado saber de senso comum, que precisa ser integrado no processo de ensino-aprendizagem. Citando uma experiência pessoal, enquanto ainda era estudante secundarista, a palestrante advertiu que os professores devem estar preparados para ouvir a contribuição dos formandos, mesmo que não seja a resposta que esperem ouvir. “Se não está a fim de ouvir, não pergunte”, preveniu, e reforçou que o estudante precisa ser respeitado e ter seus saberes igualmente respeitados. Citando o teórico português Boaventura de Sousa Santos, afirmou: “O grande avanço do conhecimento está na valorização e no reconhecimento do pensamento do senso comum, para que eu faça avançar o conhecimento científico – eu não posso negar essa realidade, mas eu posso transformá-la”.

A explanação de Azevedo trouxe também temas que estão comumente presentes nos projetos curriculares: a disciplinaridade, a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade. Antes de avançar nos conceitos, contudo, a palestrante fez dois alertas: primeiramente, o fato de que, nas análises que tem feito de projetos das várias instituições de Ensino Superior brasileiras, observa o que chamou de “desaparecimento” das disciplinas das áreas de humanidades. Em segundo, que, embora os projetos contenham “nomes lindos”, tais como os conceitos acima referidos, sua aplicabilidade e apreensão estão muito distantes do que propõem os currículos. Em outras palavras, os termos estão presentes, mas aparentemente somente para cumprir exigências do Ministério da Educação.

De forma concisa e entendível, a pesquisadora expôs a disciplinaridade como o domínio sobre determinada área, o que vai além de “ler, estudar e reproduzir” os conteúdos, mas saber construir e compreender a construção desse conhecimento específico. Já a multidisciplinaridade ocorre quando, em determinado projeto curricular, há contribuição individual de diversas áreas do conhecimento para determinado fim, sem que haja contato entre elas. Por fim, a interdisciplinaridade envolve ações em que se enxerga e compreende determinado conhecimento por meio da ótica de outra área. “A ação interdisciplinar dói porque eu terei de me despir de um conhecimento que é caro, porque é meu, porque eu construí, e que de certa forma eu domino e utilizo, e vou ter que enxergar o que o outro vê. Só que teremos de ter a humildade de chegar e dizer ‘Eu não estou entendendo nada, você pode, por favor, me ensinar? Por que eu preciso enxergar e entender o que você enxerga’. As ações interdisciplinares são exatamente isso”, narrou Azevedo.

A interdisciplinaridade, portanto, exige compreender como a outra área pensa e, também, produz o conhecimento. E contra isso, explicita a palestrante, concorre a tradicional hierarquização das áreas de conhecimento – as rixas existentes entre os pensadores e docentes de Ciências Exatas, Humanas e Biológicas, por exemplo. É preciso superar esses entraves. De acordo com Azevedo, a interdisciplinaridade “não é uma ideia nova e não vai resolver os problemas da educação brasileira, mas provoca uma reorganização do conhecimento”, trabalhando com as áreas de forma que elas conversem, metodologicamente. Sem isso, e sem colocar o estudante como protagonista no processo de ensino, dificilmente haverá avanço significativo nas práticas pedagógicas.


Inovação, sim, mas também no ato de ensinar – Azevedo, no fim de sua explanação, falou sobre a importância em se pensar a inovação para além da tecnologia e da produção científica de produtos, abrangendo também as práticas professorais. “Não adianta eu avançar na ciência, não adianta eu avançar na tecnologia, se não avanço na capacidade de fazer ensino, pesquisa e extensão. Se não é falácia. Inovação parte de uma ação pedagógica de qualidade, e os estudantes também precisam estar mais pró-ativos”, propôs a pesquisadora. Desenvolvendo essa última fala, Azevedo afirmou que muitos estudantes chegam ao ensino superior acostumados com um processo em que apenas recebem os conteúdos, sem uma participação eficaz. Para ela “contexto de universidade e de inovação” exige que haja um interesse e participação eficaz e interessada dos estudantes, em vez de uma ideia de “se livrar” das disciplinas, e isso somente poderá ser alcançado quando a disciplina for apresentada de forma a ser significativa e determinante na construção do conhecimento.

“Se eu proponho inovação, eu tenho que adotá-las e às vezes adaptá-las”, informou Azevedo. É preciso reler projetos pedagógicos, ação a ser concebida juntamente a comissões formadas por estudantes e servidores, para desenvolver práticas interdisciplinares que possam ser “mais significativas e intervencionistas nos espaços profissionais” relacionados aos cursos, explica a pesquisadora. Sintetizando os pilares para uma inovação pedagógica, ela buscou os tópicos tratados ao longo da palestra: considerar que o ensino não é somente a transmissão do conhecimento, valorizar os saberes diferentes que vem de todos os lugares e espaços, possibilitar a efetiva relação entre teoria e prática e, por fim, saber avaliar o rendimento dos estudantes de forma a acompanhar sua evolução durante o curso. Concluindo sua explanação, Azevedo afirmou que ensinar, sobretudo, é estabelecer relações. “Como eu vou estabelecer essas relações é algo absolutamente fundamental. Professores, estudantes e técnicos administrativos, nós somos responsáveis pelas relações que vamos estabelecer. Não culpem um ao outro, busquem um trabalho de corresponsabilidade e respeito”, arrematou.

 

Texto: Tiago Gebrim, para o 7º CPPG, 8ª Semapós e 7º Ceict

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