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Falsificação, fabricação e plágio: os erros que mancham a pesquisa acadêmica

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Publicado: Quarta, 24 de Outubro de 2018, 17h50 | Última atualização em Sexta, 26 de Outubro de 2018, 15h07 | Acessos: 4765

Exposição sobre o método científico e ética na pesquisa figurou no terceiro dia de eventos no Campus Rio Verde. Palestrante, que atua na UFMG e Fapemig, ilustrou os principais entraves éticos que abalam reputações de cientistas e avanço do conhecimento.

Na manhã desta quarta-feira, 24, o Campus Rio Verde do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) recebeu o professor Paulo Sérgio Beirão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Beirão, que desde 2015 é diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), veio a convite do Instituto para falar sobre ética na prática da pesquisa. A palestra, intitulada Ética na pesquisa e plágio acadêmico, integra a programação dos eventos de Iniciação Científica e Pós-Graduação do IF Goiano realizados até sexta-feira, 26.

Antes de iniciar sua exposição, Beirão teceu um elogio aos Institutos Federais, que “têm contribuído com a formação da juventude, dando oportunidade de uma educação mais aprimorada e de nível superior, colaborando o desenvolvimento do País”. Logo em seguida, o professor começou sua apresentação, fazendo uma breve narrativa sobre a história do método científico. Ele demonstrou a diferença existente entre conhecimento filosófico, que ocupava-se da lógica e especulação, daquele prático, vindo dos artesãos, que se fundava na experimentação (funciona ou não funciona).

O conhecimento lógico tinha por intenção explicar as coisas, mas não possuía prática de experimentação. Já os saberes práticos, por sua vez, atestavam a validade ou não de algo por meio do empirismo, mas não tinham o interesse em explicar o porquê. Bastava que fosse útil ao fim desejado. Conforme explicou Beirão, o salto da ciência ocorreu quando houve a união dos dois saberes: a intenção de entender, explicar, e a experimentação da validade: “A verificação é o que determina a ciência”, afirmou.

Dando continuidade à narrativa, o pesquisador falou de Galileu Galilei, um dos primeiros cientistas a trabalhar com a verificação e que, portanto, contestava verdades tidas como absolutas. Beirão conseguiu explicar bem a dicotomia entre saber e explicar, trazendo o exemplo do calendário gregoriano, promulgado pela Igreja Católica em 1582, e fruto da observação dos períodos da terra ao redor do sol. Tamanha foi sua precisão, que o calendário permanece em uso até os tempos atuais. Contudo, sua feitura e aplicação não explicava o movimento dos astros, e manteve a crença de que o sol girava ao redor da terra, de forma que, no século seguinte, 1630, a mesma igreja que encomendou e promulgou o Calendário Gregoriano também condenou Galileu pelo heliocentrismo.

Outro fato narrado pelo palestrante referiu-se ao físico grego Galeno, cujos estudos sobre anatomia foram, durante muitos anos, tidos como absolutos para os estudos de medicina. Contudo, cerca de cinco séculos depois, o anatomista flamenco Andreas Vesalius percebeu, ao dissecar corpos humanos, que havia incompatibilidades entre o que era observado e o que narrava Galeno. Esse distanciamento foi se tornando maior conforme Vesalius ampliava suas análises nos corpos humanos, a ponto de refutar e provocar drásticas alterações no que até então era ensinado.

O método científico traz, conforme explicou Beirão, a novidade de incorporar a dúvida, seguida da verificação. Seu uso promoveu à ciência maior solidez dos conhecimentos, o acúmulo das descobertas, por meio de publicação de resultados, a autocorreção como mecanismo intrínseco e a menor vulnerabilidade da ciência a argumentos de autoridade. Em outras palavras, esse último preceito significa que mesmo as teorias ou os teóricos consagrados podem ser submetidos à dúvida, e, se for o caso, terem suas ideias reavaliadas ou alteradas, conforme haja novas descobertas que refutem a verdade de até então. Ilustrando, o pesquisador da Fapemig narrou o recente episódio em que o próprio Albert Einstein teve em cheque sua afirmação sobre ondas gravitacionais, uma das bases de sua conhecida Teoria da Relatividade.

Estudos comprovaram a existência das ondas e, portanto, o acerto de Einstein, mas o importante é deixar claro que nenhuma verdade necessariamente será eterna quando se trata de ciência. Exatamente por isso somente são considerados pela ciência temas plausíveis de verificação. “Por exemplo, se alguém pergunta ‘Qual é o sentido da vida?’, não tem como a ciência abordar esse tema porque não é possível verificá-lo”, exemplifica Beirão.

(Foto: Ícaro Lunas)

Ética na pesquisa – Ao tratar dos dilemas que cercam o fazer científico, Beirão foi enfático: “Ética, integridade e honestidade são tão fundamentais à ciência quanto o próprio método científico”. Sobre esse, o palestrante apontou características básicas, como não aceitar verdades impostas e, muito menos, compactuar com ideias preconceituosas, sempre verificar as verdades circulantes, ter disposição para reflexão e revisão das próprias ideias, enquanto cientista, e independência para pensar. “A ciência erra? Claro que erra, a ciência é um empreendimento humano. Mas, em seu favor, a ciência está sempre disposta a rever suas próprias ideias, à luz de novos fatos”, afirmou o pesquisador.

A partir do apontamento sobre erros cometidos dentro da ciência, Beirão entrou na questão das fraudes, um dos temas principais de sua exposição: “agora, por que a ciência falha? Há erros, a medida pode estar errada, ou algum conceito pode estar baseado em algo ainda incerto… há erros. Mas existem também fraudes e violações éticas”. Conforme o pesquisador, as violações éticas seriam as ocasiões em que os limites aceitáveis são ultrapassados, como, por exemplo, nas conhecidas experiências nazistas. Já as fraudes podem ser divididas em falsificação e fabricação de resultados, ambas desastrosas para a credibilidade da ciência. Além delas, o plágio e o autoplágio são também problemas a serem enfrentados.

Os principais problemas da fraude concentram-se na violação do comprometimento ético do fazer científico, atrapalhando a credibilidade da ciência, de forma geral, e também da comunidade científica. Além disso, a publicação de resultados falsos leva ao atraso em pesquisas, pelo dispêndio de tempo e pela refutação de conhecimento acumulado, além do gasto de dinheiro para financiamento de estudos que não terão aplicação. O palestrante trouxe, como exemplos, o caso do Homem de Piltdown, falsificação de um suposto elo entre o Homo sapiens sapiens e seus ancestrais, ocorrido no início do século XX, e a recente história da cientista japonesa Haruko Obokata, que publicou um artigo na revista Nature sobre a transformação de células maduras em pluripotentes, com aplicabilidade similar às de células-tronco. O artigo, que animou a comunidade científica, havia falsificado resultados, de forma que não foi possível a repetição do experimento, o que acabou levando a investigação da autora e consequente admissão, pela mesma, da fraude. O caso foi tão grave que levou ao suicídio seu orientador acadêmico.

Ao se referir ao plágio, Paulo Sérgio Beirão o caracterizou como a apresentação de resultados ou conclusões, textos ou partes de textos, de outras pessoas, como se fosse de sua autoria. Os principais problemas trazidos pela prática envolvem a violação do compromisso ético com a verdade científica e o fato de dificultar o conhecimento e reconhecimento do autor real, responsável pela contribuição à ciência. O autoplágio, considerado menos grave, é também um dilema ético, pois contribui para o aumento de publicações redundantes e torna-se desleal, “inflando” currículos sem que haja real contribuição para o avanço de pesquisas.

O papel das instituições de ensino e pesquisa, entre elas as universidades e os Institutos Federais, é imprescindível para evitar as práticas fraudulentas no fazer científico, opina o palestrante. Ele elenca como principais ações a instrução dos estudantes quanto a ética na pesquisa, a reavaliação dos sistemas de promoção dos profissionais, tendo como base a qualidade das produções desenvolvidas, o uso de históricos de boas práticas durante recrutamento de cientistas ou concursos públicos e, ainda, o recrudescimento de sansões ou punições aos casos de fraude ou plágio.

Para finalizar sua exposição, Beirão trouxe as diretrizes para boas práticas em pesquisa, publicadas no ano de 2011 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e alinhadas com a responsabilidade cada vez mais cobrada das agências de fomento em relação aos estudos por elas financiados. Da mesma forma, em 2013, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), manifestou-se sobre o assunto, afirmando que a confiança é o pilar da atividade de pesquisa e, portanto, qualquer violação dessa confiança é terrível para a base da ciência. “A ética deve estar presente em nossa conduta diária, e não se tornar algo teórico e não praticado”, concluiu o pesquisador.

 

Texto: Tiago Gebrim,  para o 7º Ceict, 7º CPPG e 8ª Semapós

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