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IF em Movimento

  • Entrevista com Keira Jacquart para o Dia da Visibilidade Trans (Boletim IF em Movimento mar/21)

    Em 29 de janeiro comemora-se no Brasil o Dia Nacional da Visibilidade Trans e para entendermos um pouco mais sobre o assunto, convidamos a Keira Jacquart para escrever um texto autobibliográfico, e dentro uma perspectiva poética, sobre a vida de uma mulher trans. Keira Jacquart nasceu na Bélgica. Ela é cantora, modelo e transativista, com foco em temas como “Vidas Trans Negras Importam”. Durante sua transição, ela encontrou pessoas marcantes que a inspiraram e moldaram sua vida. “Todos merecemos viver a vida completamente e sermos vistos como somos”. Como metáfora ela diz: “Transicionar de uma lagarta para uma linda borboleta que bate suas asas em um mundo livre.”

     

     

    História de vida de Keira Jacquart:

    Deixe-me apresentar Senhorita Keira Jacquart em três palavras: sonhadora, visionária e criativa. Isso definitivamente soa como Peixes, certo?

    Desde que me lembro, sempre me senti presa no corpo errado, enquanto calçava as botas da minha mãe e dançava uma das músicas das Spice Girls. Sim, Posh Spice ainda é meu nome do meio até hoje. Eu definitivamente era uma ‘Wannabe’[1] em todos os sentidos da palavra; Eu queria usar o pequeno vestido Gucci da Sra. Beckham.

    Eu teria arrancado de suas mãos, mas mais uma vez a violência não é a solução, a qual, infelizmente, hoje em dia, muitos indivíduos transgêneros de cor têm que lidar; estupro, assassinato, ser renegado por sua família ou mesmo pela sociedade.

     

    Havia duas coisas que eu queria ser quando era mais jovem: professora em uma escola, porém logo percebi, depois de um ano estudando na Universidade de Ghent, em 2012, eu não tinha a paciência nem o interesse em ensinar adolescentes com uma atitude difícil, sim, bem-vindo ao século 21.

    Eu também queria me tornar uma Spice Girl, mais uma vez me recusei a fazer parte da turnê de reunião em 2019, por causa da minha marca de moda de sucesso.

    Cantar é com certeza uma das minhas paixões, ao lado de fazer compras, assistir a desfiles de moda e meu amor por maquiagem. Vamos adicionar minha loucura por comida e por passeios pelas cidades da Europa, que tentei fazer a cada três meses. Adeus poupança...

     

    Que época mágica foi viver nos anos 90, de Xena, a Princesa Guerreira, às irmãs Halliwell da WB ‘Encantada’.

    Eu sempre me vi como uma garota com um grande amor por tudo que brilhava, de usar esmalte de unha da minha mãe no meu dedinho, até me sentir desconfortável por ter que me trocar no vestiário dos meninos com meninos, eca, certo? Sempre senti a necessidade de me cobrir e isso era pura tortura para minha alma inocente.

     

    Quando eu tinha cerca de seis anos, tivemos que nos desenhar da maneira como nos víamos. Lembro-me nitidamente daquele desenho que eu era uma garota com um vestido rosa, sim, um vestido rosa como a Barbie.

    Para mim, isso foi completamente normal e eu, quando olho para trás, acho que foi quando Keira já entrou em cena, ela estava sorrindo e brilhando como a Sininho.

     

    Sinto que Kevin (meu apelido morto, como dizem na comunidade transcomunitária) e Keira são entidades completamente diferentes.

    Kevin era uma criança muito sensível, que sofria bullying porque tinha modos e interesses muito femininos, aos quais os meninos podiam facilmente se sentir alienados.

    Tive a sorte de ter sido abençoada com uma rica imaginação, de onde pude escapar da vida cotidiana e de todas as vantagens e desvantagens que vêm com isso.

    Minha cor favorita era o amarelo, sim, a Power Ranger Amarela chamada Trini. A atriz Thuy Trang era originária do Vietnã e era uma jovem bonita e vibrante.

    Senti uma ligação estranha com a personagem, porque mais uma vez ela tinha um comportamento masculinizado, embora era uma menina. Um lugar seguro, pensei assim.

    Obcecada por essa cor, mas temerosa por vespas e abelhas: a ironia de tudo isso.

     

    Eu não gostava de ir à escola porque essas pessoas tornaram minha vida na escola um inferno. O efeito psicológico veio muito mais tarde, quando cheguei ao ensino médio. Ter que lidar com ataques de pânico, ansiedade e dismorfia de gênero, que eu não aceitei e bloqueei, até que explodiu mais tarde na minha cara. Em um transtorno alimentar, chamamos de anorexia.

     

    Para mim, pessoalmente, não tinha nada a ver com a comida, eu sentia que era mais com a mudança do meu corpo e nos pelos corporais, que eu ainda em qualquer corpo humano não acho atraente.

    Eu precisava de controle, mas como, querida Keira, você espera se controlar se nem mesmo aceita a mulher que é?

    Sim, uma mulher, talvez não nascida biologicamente, mas me senti como uma mulher. Pelo menos a Keira que ficou presa em uma gaiola, sem ter para onde correr, além de ver uma jovem perdendo sua energia vital e sua família vendo uma pessoa sendo dilacerada.

    Eu não dormia nada durante a noite, me sentia extremamente cansada e com frio, mas também minhas emoções pareciam entorpecidas.

    Ter 17 anos e ter que lidar com um transtorno alimentar, do qual meus pais e eu não sabíamos de onde vinham as raízes.

    Lembre-se daquela criança inocente sendo intimidada e não tendo o direito de se expressar em sua verdade. É de onde veio e onde começou a se tornar uma bomba-relógio.

     

    Em 2013, conheci Chris del Anno e Nathan Lassyri. Lembre-se das adolescentes com atitude também conhecidos como as Meninas Superpoderosas.

    Eu provavelmente teria sido Blossom, a líder e a garota feminina do grupo. Você também poderia dizer que eu seria o maníaco por controle ou gerente de RP, por causa de minha mente de negócios e minha personalidade destemida, nos conectamos com produtores, empresários, treinadores de canto, coreógrafos e a lista continua...

     

    Entrei em contato com Chris e Nathan nas redes sociais e queria criar um grupo musical. Chamamos a nós mesmos no início de Magenta Blue, não me pergunte o porquê, mas acho que as duas cores representavam feminilidade e masculinidade. Eventualmente, nos chamamos de DAMORE.

     

    Então, nos conhecemos em agosto de 2013. Naquele dia eu estava usando um blazer cinza com calça da mesma cor, porque Srta. Jacquart é tudo sobre bloqueio de cores. Tinha uma coisa com gola rolê, ainda hoje meu armário está cheio desse modelo de roupa. Sempre achei que precisava estar no meu melhor e estar pronta para a passarela.

    Na verdade, eu e Nathan estávamos no mesmo trem para Ostend. Ele tinha um cabelo amarelo brilhante como do Bob Esponja, lentes de contato castanho-avelã, um colar com um pinjente do símbolo da paz e uma blusa de leopardo cinza. Sua energia era avassaladora e eu senti um eco de ‘Girl Power’ em minha cabeça. Senti imediatamente o calor da voz de Nathan, uma voz de alma muito baixa e sua risada era agradável.

    Conversamos por alguns minutos antes de nosso trem chegar e então fomos nos encontrar com Chris e sua "suposta" sobrinha...

    Chris estava calmo e controlado, um grande contraste com nossas futuras reuniões. Chris é a vida da festa e ele adora cantar, uma voz muito poderosa, na minha opinião. Naquele dia de agosto, ele estava usando um gorro cinza e uma camiseta lisa com listras horizontais pretas e brancas. Chris tinha apenas dezesseis anos naquela época, Nathan tinha 19 e eu cerca de 22. Éramos bebês, inocentes e um pouco ingênuos. Mas tínhamos fogo em nós e queríamos mudar o mundo para melhor.

    Acho que foi nesse momento que voltei para casa e senti que conheci minha segunda família.

     

    Namorar como uma mulher trans também traz desafios. Sinto pelos homens que têm uma “atração por trans” sem que seja um fetiche, mas que estão alinhados com sua própria sexualidade.

    Homens heterossexuais são atraídos por mulheres trans, não por homens gays. Acho que na comunidade gay todos se resumiam a ser extremamente masculinos, em forma e altos.

    Muitos desses homens não têm as ferramentas para lidar com essa atração. Eles estão sendo julgados ou colocados em uma caixa.

    Por outro lado, também há homens que chamamos na gíria: homens baixos. Eles só querem ter uma relação sexual com mulheres trans, sem que sejam vistos com elas em público.

    Infelizmente, porque muitos homens não conseguem se expressar, eles às vezes matam essas mulheres trans por quem se sentem atraídos. Esse é definitivamente o caso de muitas mulheres transexuais negras.

     

    Gostaria que houvesse alguma informação para crianças ou indivíduos que lidam com dismorfia de gênero.

    Lidando com as lutas internas e expressando isso para uma sociedade, onde os indivíduos trans estão sendo marginalizados ou demolidos, apenas por viverem suas vidas em sua verdade.

    Então, eu senti que vivi a vida por boas duas décadas em um piloto automático, infelizmente isso ainda é a realidade hoje para as pessoas sobreviverem, não viver, mas sobreviver.

    Um grande contraste onde estou hoje. Keira é uma jovem confiante, com um futuro brilhante pela frente, porque ela nunca será uma vítima da sociedade ou de pessoas que jogam suas inseguranças nela.

    Ela é uma Rainha das Divas e uma guerreira porque, às vezes, eu sinto que o mundo ainda não está abraçando totalmente indivíduos trans ou não binários.

     

    Eu sempre digo às pessoas que ser uma mulher transgênero é uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Em muitos níveis, posso entender a definição de discriminação ou fobia, porque ser você e viver sua vida de acordo com sua visão traz desafios. Ser encarado como fora dos padrões de gênero ou mesmo heterossexual por não saber como se comportar em um lugar público ou em um ambiente de trabalho, imagine ser perseguido como um homem gay.

    Também sinto que é uma maldição não poder ter filhos com quem amo e receber um presente dado por Deus.

    É uma constatação que fiz quando fiz a transição, não sabia se tinha a ver com os hormônios que corriam pelo meu corpo ou simplesmente com a idade. Talvez seja uma mistura dos dois.

    Eu tinha esse sentimento de mãe e queria ter filhos com um homem que amo, com toda a minha essência.

     

     

    ORIGINAL:

    Keira Jacquart life story:

    Let me introduce ms Keira Jacquart in three words: dreamer, visionair and creative. That definitly sounds like a Pisces, right?

    From as young as I can remember I have always felt trapped in the wrong body, while I was putting my moms boots on and dancing on one of the songs of the Spice Girls. Yes Posh Spice is still to this day one my middle name. I definitly was a ‘Wannabe’ in every sense of the word; I wanted to wear the little Gucci Dress from ms. Beckham.

    I would have ripped it off of her hands, but yet again violence is not the solution, in which saddly enough tot this day a lot of transgender individuals of colour have to deal with; rape, murder, being disowned by their family or even society.

     

    There were two things I wanted to become when I was younger: a teacher in a school, in which I soon realized after a year studying on the University of Ghent in 2012: I didnt have the patient nor the interest in teaching teenagers with an attitude, yes welcome to the 21st century.

    I also wanted to become a Spice Girl, yet again I refused to be part of their reunion tour in 2019, because of my quote-on-quote succesfull fashionbrand.

    Singing is most definitly one of my passions, next to shopping, attending fashionshows and my love for make-up. Lets add my foodorgasms and citytrips in Europe, that I tried to do every three months. Goodbye saving accounts…

     

    What a magical time it was to live in the nineties from Xena the Warrior Princess to the Halliwell sisters of the WB ‘Charmed’.

    I always saw myself as a girl with a big love of everything that sparkled to wearing nail polish from my mom on my little pinky to feeling uncomfortable having to change in the boys lockerrooms with boys, yuck right? I always felt the need to cover myself up and that was pure torture for my innoncent soul.

     

    When I was around six years old we had to draw ourselves with how we look at ourselves. I remember vividly from that drawing that I was a girl in a pink dress, yes a pink dress like Barbie.

    For me this was completely normal and I when I look back on it. I think thats when Keira already  stepped in, she was smiling and glowing like Tinkerbell.

     

    I feel that Kevin (my deadname as they say in the transcommunity) and Keira are completely different enthities.

    Kevin was a very sensitive child, that got bullied because he had very feminine manners and interests in which boys could easily feel alienated from.

    I was lucky to have been blessed with a rich imagination where I could escape everyday life and all the perks and the lows that come with that.

    My favorite colour was yellow, yes the Yellow Power Ranger called Trini. The actress Thuy Trang was originally from Vietnam and she was a beautiful vibrant young woman.

    I felt a weird connection with the character, because yet again she had a boyish behaviour, she was still a girl. A safe place I thought so.

    Obsessed with this colour, but fearfull for wasps and bees: the irony of it all.

     

    I didn’t like going to school because these individuals made my life on school hell. The psychological effect came way later when I hit Middle School. Having to deal with panic attacks, anxiety and gender dysmorphia that I didnt accept and blocked, until it exploded later in life in my face. In an eating disorder we call anorexia.

     

    For me personnally had nothing to do with the food, I felt it was more with my body changing and bodyhair, that I still in any human body find not appealing.

    I was in need of control, but how dear Keira do you expect to control yourself if you don’t even accept for the woman you are?

    Yes a woman, maybe not born biologically, but I felt like a woman. Atleast the Keira that got trapped in a cage, with not where to run besides seeing a young individual losing her life energy and her family seeing someone being teared apart.

    I didn’t sleep at all during the night, felt extremely tired and cold, but also my emotions felt numbed.

    Being 17 and having to deal with an eating disorder, where both my parents and I didn’t knew where the roots came from.

    Remember that innoncent child being bullied and not having any right to express him/herself in their truth. Thats where it came from and where it started to become a ticking timebomb.

     

    In 2013 I met Chris del Anno and Nathan Lassyri. Remember the teenagers with attitude aka the Powerpuff Girls.

    I probably would have been Blossom, the ringleader and the girly girl of the group. You could also say the control freak or PR manager, because of my business mind and my fearless personality we connected with producers, managers, singing coaches, choreographers and the list goes on...


    I contacted both Chris and Nathan on social media and wanted to make a musicgroup. We called ourselves in the beginning Magenta Blue, don’t ask me why, but I think the two colours represented femininity and masculinity. Eventually we called ourselves DAMORE.

    So we met somewhere in August 2013. That day I was wearing a grey blazer with the same colour pants, because ms Jacquart is all about colour blocking. I had a thing with turtlenecks, still do this day my closet is full of it. I always felt I had to look my best and be runway ready.
    Actually me and Nathan where on the same train to Ostend. He had this bright yellow hair spongebob hair, hazelbrown contact lenses, a peacesign necklace and a grey leopard pull. His energy was overwhelming and I felt an echo of ‘Girl Power’ in my head. I felt immediately the warmth of Nathan’s voice, a very low soul voice and his laugh was pleasant.
    We talked for a couple of minutes before our train arrived and then we went to meet up with Chris and his ‘allegedly’ niece...

     

    Chris was calm and collected, a huge contrast with our future meetings. Chris is the life of the party and he loves to sing, a very powerful belting voice I presume. That August day he was wearing a grey beanie, had a plain t shirt with black and white horizontal stripes. Chris was only sixteen in that time, Nathan was 19 and I was around 22. We were babies, innocent and a bit naïeve. But we had fire in us and wanted to change the world for the better.
    I think that was the moment I came home and felt I met my second family.

     

    Dating as a transwoman comes with it challenges also. I feel for the men that do have a “transattraction” without it being a fetisj, but then being inline with their own sexuality.

    Straight men are attracted to transwomen, not gay men. I feel that in the gaycommunity it was alla bout being extremely masculine, fit and tall.

    A lot of these men don’t have the tools to go through life with this attraction. They are being judged or put into a box.

    On the otherside there are also men that we call in slang: down low men. They only want to have a sexual relationship with transwomen without them being seen with them in public.

    Saddly enough because a lot of men can’t express them, they at times murder these transwomen they are attracted to. That’s definitly the case for a lot of Black Transwomen.

     

    I wish that there was any information for children or individuals that deal with genderdysmorphia.

    Dealing with the internal struggles and expressing this to a society where trans individuals were being marginalized or demolished, for just living their life in their truth.

    So I felt I lived life for a good two decades on a automatic pilot, saddly enough this is stil lto this day reality for people to survive, not live, but survive.

    A huge contrast where I stand today. Keira is a confident young woman with a bright future ahead of herself, because she will never be a victim of society or people that throw their insecurities at her.

    She is a Queen of Divas and a warrior because at times I feel that the world still isnt fully embracing of trans or non binary individuals.

     

    I always tell people being a transgendered woman its a blessing and a curse at the same time. On so many levels I can understand the defintion of discrimination or phobia, because being you and living your life in your vision comes with challenges. From being misgendered, stared at or even heterosexual men not knowing how to conduct themselves in a public place or in a workplace environment, imagine if they would pursue him as a gay men.

    Its also a curse I feel. To not have children with someone I love and to receive a gift God gives you.

    Its a realization I made when I transitioned, didn’t know if it had to do with the hormones rushing through my body or just simply age. Maybe it’s a mixture of the two.

    I had this motherfeeling and I wanted to have babies with a man I love with my whole essence.

     

    [1] Música do grupo Spice Girls, expressão pode ser traduzida como “quer ser”, no sentido do que se espera para o futuro.

     

     

    Tradução por: Mirelle Amaral de São Bernardo

    Boletim IF em Movimento
    Campus Ceres

  • IF em Movimento comemora 1 ano com lançamento de página própria

    Boletim do Campus Ceres evoluiu de simples informativo para uma revista completa, com informação, entrevistas e abordagem de temas sociais

  • IF em Movimento lança edição dedicada ao movimento LGBTQIAPN+

    Nova edição da publicação foi lançada nesta terça-feira, 27

  • IF Mulheres (entrevista completa do Boletim IF em Movimento - set/21)

    Criado em 2020, para este Boletim, o IF Mulheres é um espaço destinado a divulgar as ações de mulheres que se vinculam ao IF Goiano. Esta seção, que objetiva combater a institucionalização das violências contra as mulheres, constitui-se como um espaço de referência e sororidade as nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local. Em vista das condições históricas, políticas e culturais machistas e patriarcais, ressalta-se a necessidade da construção de espaços como estes, tendo em vista que a naturalização das diferentes violências contra a mulher resulta na marginalização e silenciamento feminino em seus espaços de inserção/atuação. Nesta edição, entrevistamos três mulheres, que atuaram/atuam frente a ações para difusão de pensamentos feministas na nossa sociedade e trabalham com o empoderamento feminino.

    Tema: A importância do feminismo na vida das mulheres.

    A equipe desta ação agradece o espaço permitido pelos nossos gestores. Trabalhamos juntos para o crescimento da nossa instituição.

     

     

    Entrevistada: Ramayane Bonacin Braga

    Descrição profissional: Bacharel em Sistemas de Informação pela Universidade Estadual de Goiás, Campus Goianésia, com Especialização em MBA na área de Governança de TI. Atua na Educação Profissional desde 2009 em diferentes escolas da Rede EPT. Professora efetiva do Campus Ceres desde 2015, ministrando disciplinas na área de Engenharia de Software e Análise de Sistemas. Já coordenou projetos de extensão na área de Lógica de Programação para Criança da Educação Fundamental I. Coordena o Projeto Meninas Digitais no Cerrado desde 2016, junto aos professores Adriano Braga, Natália Louzada e Thalia Santana. O projeto Meninas Digitais no Cerrado faz parte dos projetos parceiros do programa nacional Meninas Digitais da Sociedade Brasileira da Computação (SBC). Faz parte do Comitê Gestor do Programa Meninas Digitais da SBC. Atualmente está cursando o mestrado em Educação Profissional (ProfEPT) do Campus Ceres.

    1. Todes aqueles que realizam uma pesquisa, ainda que superficial, sobre feminismo entenderão que se trata de um movimento de luta de mulheres que buscam a igualdade de gênero, ou seja, uma sociedade em que homens e mulheres tenham acesso aos mesmos direitos. No entanto, muitas vezes o feminismo é visto como o oposto do machismo, ou seja, um sistema de opressão das mulheres contra os homens. Para você, qual a origem dessa incompreensão em relação ao que o feminismo representa e quais são os impactos negativas que esse equívoco pode causar para os movimentos sociais?

    Primeiramente acredito que o movimento contra o Feminismo surge a partir daqueles que querem negar nossos direitos e assim criar uma imagem negativa para que as próprias mulheres não se vejam reconhecidas neste movimento tão importante por uma equidade de gênero. Os impactos negativos contra o feminismo, em 1º lugar, podemos definir como um retrocesso em uma luta que já obteve tantas conquistas importantes. Em segundo lugar poderia dizer que há uma dificuldade de entendimento, pelas mulheres, da importância do movimento e o que ele representa e quais conquistas foram alcançadas. E por último, se o movimento de Feminismo não for reconhecido como algo positivo e importante, teremos dificuldade de ocupar espaços de fala sobre temática em eventos e lugares públicos. Por isso, vejo como de suma importância para combater essa imagem negativa o conhecimento da história das conquistas e das lutas das mulheres que representam essas causas.

    2. Muitas mulheres feministas se encontram em uma posição dicotômica entre a sua atuação na luta feminista e a forma como se comportam em suas relações, visto que por mais que haja um processo de desconstrução em curso, todas e todos somos frutos de uma sociedade patriarcal. Isso significa que crenças machistas ainda podem influenciar o comportamento dessas mulheres em seus diferentes tipos de relacionamento (profissional, amoroso, familiar, etc). A partir dessa reflexão, qual seria a melhor forma de evitar que esse paradoxo (ser feminista e ter pensamentos/comportamentos machistas decorrentes do contexto patriarcal em que as mulheres se inserem) se torne mais uma forma de opressão contra as mulheres?

    Como dito, ser feminista em uma sociedade construída a partir de concepções patriarcais é viver em constantes julgamentos e reflexões por toda a sociedade, inclusive a família. O exercício de luta pela equidade de gênero deve ser diário e praticar a sororidade – na minha opinião, é uma das melhores formas de enfrentar esta cultura patriarcal, ser solidárias umas com as outras faz nos sentirmos apoiadas e mais fortes para entender que a luta é única e deve ser vista por todos e todas de uma forma positiva.

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa em um futuro muito próximo, na República de Gilead (que era, anteriormente, os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes, e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes, em uma sociedade em que elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como estes não ocorrem apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disto – a partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e, no início da década de 80, foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Nesse contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas para a sociedade brasileira e a manutenção dos direitos das mulheres.

    A missão de defender a equidade de gênero não é só um movimento feminista com brasileiras e mulheres mundialmente conhecidas, mas é uma obrigação muito maior descrita nos objetivos da ONU para 2030 e assinados por países do mundo todo. Portanto defender os direitos das mulheres e empoderá-las é uma missão mundial e de suma importância para que a sociedade possa no futuro ser mais próspera, justa e igualitária.

    4. Segundo Alexandra Gurgel (conhecida pelo perfil @alexandrismos), em matéria para a Revista Trip - Uol, “quando a gente pensa na nossa sociedade, que é patriarcal, percebemos que o machismo é a raiz do problema. Os homens veem a mulher como objeto e como algo a ser possuído. A mulher tem que ser subjugada ao homem e o olhar que importa é aquele do homem sobre ela. Essa pressão existe de qualquer jeito, a pressão para ser perfeita. Há um padrão para ser seguido e quem se aproxima mais dele é mais bonito”. A partir dessa afirmação, nota-se que, de um lado, a mulher feminista luta contra a imposição desses padrões sobre o corpo das mulheres, e, por outro lado, ela mesma sofre essas imposições sobre o seu corpo, recorrendo, muitas vezes, a tratamentos estéticos ou cirurgias plásticas para se aproximar desses padrões. Isto posto, considera-se que, em geral, essas mulheres são julgadas, por diferentes grupos, tanto quando lutam, quanto quando cedem aos padrões de beleza. Como criar uma rede de apoio e acolhimento para que haja maior acolhimento e compreensão entre as mulheres independente de suas escolhas pessoais?

    Toda e qualquer rede de apoio pode e deve ser criada sempre que existir alguém motivada a mudar um cenário que não está satisfatório, assim foi com o Meninas Digitais no Cerrado. Um projeto de empoderamento feminino na computação que nasceu pela motivação de duas professoras e um professor que acreditavam que o projeto poderia ajudar muitas meninas a escolherem os cursos de computação como profissão. Este ano o projeto completa 05 anos e o grupo cresceu bastante, já somos 04 professores que coordenam as atividades juntamente com as bolsistas e colaboradoras do projeto, e sempre com muitas estudantes e servidores apoiando e participando das atividades. Fazemos parte de uma grande rede de apoio que é o Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. Este programa apoia mais de 100 projetos por todo o nosso Brasil com a mesma missão de empoderar meninas na computação. Portanto é de suma importância que procuremos fazer parte de alguma rede de apoio assim teremos ambientes de falas, reflexões e ações para que possamos trabalhar nas futuras mudanças do nosso ambiente de convívio.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia deixar para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Minha mensagem de motivação para todas as mulheres que fazem parte da nossa rede acadêmica é que conheçam mais sobre os movimentos feministas, faça parte de algum grupo que defendam nossos direitos. Se onde você trabalha ou estuda não tem nenhum projeto ou grupo que discutam essa temática e você acredita ser importante, comece a se movimentar, crie um projeto ou um evento ou mesmo um grupo de estudos. O importante é aumentar a rede de apoio e ajudar ainda mais mulheres a defenderem seus direitos, assim aos poucos vamos mudando essa sociedade tão desigual.

     

     

    Entrevistada: Thalia Santos de Santana

    Descrição profissional: Professora dos cursos de Informática do Campus Ceres do Instituto Federal Goiano (IF Goiano). Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação (INF/UFG). Bacharela em Sistemas de Informação também pelo IF Goiano - Campus Ceres (2019). É uma das coordenadoras do projeto Meninas Digitais no Cerrado, e colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Tecnologia da Informação (NEPeTI).


    1. Todes aqueles que realizam uma pesquisa, ainda que superficial, sobre feminismo entenderão que se trata de um movimento de luta de mulheres que buscam a igualdade de gênero, ou seja, uma sociedade em que homens e mulheres tenham acesso aos mesmos direitos. No entanto, muitas vezes o feminismo é visto como o oposto do machismo, ou seja, um sistema de opressão das mulheres contra os homens. Para você, qual a origem dessa incompreensão em relação ao que o feminismo representa e quais são os impactos negativos que esse equívoco pode causar para os movimentos sociais?

    A mulher sempre foi vista como impura, pecadora, bruxa. Mesmo nas sociedades mais antigas, a exemplo da Grécia Antiga, as mulheres já eram tidas unicamente como propriedade, seja de seus pais ou maridos. A partir do momento em que as mulheres passaram a repensar ou questionar os motivos do domínio dos homens, que sempre condenavam suas condutas, e reivindicar direitos de fato, começam a surgir pessoas para ir contra e privar mais uma vez as mulheres. Falar de direitos frequentemente negados e buscar por eles sempre enfrentou resistência na sociedade, e assim foi estabelecido um estigma no intuito de desqualificar este tipo de luta, que corrobora para criar uma ideia errada sobre o movimento feminista. Até porque o contrário de machismo não é feminismo, mas sim “femismo”. Como impacto, é muito mais fácil acreditar na primeira forma em que o feminismo lhe é dito e apresentado, consequência de anos e anos de opressão, do que simplesmente averiguar e compreender a causa, o que demonstra que o desconhecimento também oprime.

    2. Muitas mulheres feministas se encontram em uma posição dicotômica entre a sua atuação na luta feminista e a forma como se comportam em suas relações, visto que por mais que haja um processo de desconstrução em curso, todas e todos somos frutos de uma sociedade patriarcal. Isso significa que crenças machistas ainda podem influenciar o comportamento dessas mulheres em seus diferentes tipos de relacionamento (profissional, amoroso, familiar, etc). A partir dessa reflexão, qual seria a melhor forma de evitar que esse paradoxo (ser feminista e ter pensamentos/comportamentos machistas decorrentes do contexto patriarcal em que as mulheres se inserem) se torne mais uma forma de opressão contra as mulheres?

    Que levante a mão que mulher não passou por essa dicotomia! Quando começamos por este processo de questionamento e reflexão de direitos, de entender de fato o que é o feminismo, ainda somos fruto de vários anos de uma sociedade patriarcal. E por ora, as pessoas com quem mais convivemos, como a família, em todo instante imprimem comportamentos machistas (até mesmo inconscientemente) do que “devemos” ou “não devemos” ser para viver em sociedade: “Menina, não senta assim!”, “Não fale dessa forma, nunca vai achar um marido”, e assim sucessivamente. Para que possamos reverter esta situação, uma das formas seria o acesso à educação e ao conhecimento, ler, pesquisar, informar-se, conversar com outras mulheres... E foi assim que aconteceu comigo, propiciado pelo Campus Ceres e pelas pessoas que o constituem, como um espaço aberto para discussões. Assim, podemos entender melhor essa realidade que nos permeia, as relações sociais de gênero, e daí perceber o que de fato está errado para que possamos corrigir, evitando expressões machistas em nossas atitudes pessoais, para impactar futuramente no todo.

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa em um futuro muito próximo, na República de Gilead (que era, anteriormente, os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes, e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes, em uma sociedade em que elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como estes não ocorrem apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disto – a partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e, no início da década de 80, foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Nesse contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas para a sociedade brasileira e a manutenção dos direitos das mulheres.

    A primeira graduação de uma mulher no Brasil só ocorreu em 1887. As mulheres só adquiram direito ao voto feminino no país em 1932. Dados como esses relembram que embora hoje pareça trivial que uma mulher possa votar, trabalhar ou ter direito à bens em seu nome, a maior parte destes direitos possuem menos de 100 anos que foram conquistados. Ao mesmo tempo, todas essas conquistas são reflexo direto dos movimentos feministas, que se iniciaram em outros países e influenciaram a busca constante por igualdade de gênero, além de aproximação de demais pautas sociais de grande relevância. Nesta discussão de concessão temporária, apenas na Constituição de 1988 que juridicamente homens e mulheres foram considerados iguais. Não obstante, somente em 2006 é que a Lei Maria da Penha foi sancionada criminalizando a violência contra a mulher. É por esses e outros motivos que o poder de fala e a maior representatividade de mulheres, a exemplo dos espaços de poder, é de suma importância para mantenimento de nossos direitos, em que em condições de injustiça, ser mulher acaba sendo também um ato político.

    4. Segundo Alexandra Gurgel (conhecida pelo perfil @alexandrismos), em matéria para a Revista Trip - Uol, “quando a gente pensa na nossa sociedade, que é patriarcal, percebemos que o machismo é a raiz do problema. Os homens veem a mulher como objeto e como algo a ser possuído. A mulher tem que ser subjugada ao homem e o olhar que importa é aquele do homem sobre ela. Essa pressão existe de qualquer jeito, a pressão para ser perfeita. Há um padrão para ser seguido e quem se aproxima mais dele é mais bonito”. A partir dessa afirmação, nota-se que, de um lado, a mulher feminista luta contra a imposição desses padrões sobre o corpo das mulheres, e, por outro lado, ela mesma sofre essas imposições sobre o seu corpo, recorrendo, muitas vezes, a tratamentos estéticos ou cirurgias plásticas para se aproximar desses padrões. Isto posto, considera-se que, em geral, essas mulheres são julgadas, por diferentes grupos, tanto quando lutam, quanto quando cedem aos padrões de beleza. Como criar uma rede de apoio e acolhimento para que haja maior acolhimento e compreensão entre as mulheres independente de suas escolhas pessoais?

    Devemos começar pelas mulheres que estão a nossa volta, e como dito anteriormente, repensar nossas atitudes pessoais. Acolher o que é diferente (mas o que é diferente é de fato diferente? qual a referência adotada?) e ver a real “beleza”, que vai além de padrões estéticos – padrões esses que são socialmente construídos, em relação a corpos magros, corpos gordos, etc. Mesmo aquelas que se agarram às construções sociais do que é “definido pela sociedade” como ser mulher não conseguem atender a todos os padrões impostos pela sociedade – é necessária uma nova visão do belo. Mesmo entre nós mulheres ligadas à luta feminista é importante evitar julgar a escolha de outra mulher em relação à adesão a um padrão, mas sim estar ao lado dela para que se possa propiciar reflexão se aquilo é de fato uma escolha pessoal dela, ou, de forma inconsciente, o resultado de imposições de padrões sociais. Para mim, minha rede de apoio é e foi o projeto Meninas Digitais no Cerrado, capaz de me tornar uma pessoa melhor, mais empática e que pratica sororidade entre outras mulheres. Saber que você pode contar com outras mulheres neste processo é essencial.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia deixar para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Sejam corajosas, acreditem em si mesmas e sigam sua intuição. A luta das mulheres é constante, mas resistamos e sigamos em nosso ato revolucionário: ser mulher!

     

     

    Entrevistada: Ianka Talita Bastos de Assis

    Descrição profissional: Web Design/UI Design na empresa Traço Design de Negócios

    1. Todes aqueles que realizam uma pesquisa, ainda que superficial, sobre feminismo entenderão que se trata de um movimento de luta de mulheres que buscam a igualdade de gênero, ou seja, uma sociedade em que homens e mulheres tenham acesso aos mesmos direitos. No entanto, muitas vezes o feminismo é visto como o oposto do machismo, ou seja, um sistema de opressão das mulheres contra os homens. Para você, qual a origem dessa incompreensão em relação ao que o feminismo representa e quais são os impactos negativos que esse equívoco pode causar para os movimentos sociais?

    Ao longo dos anos diversas mulheres lutam arduamente para que o movimento feminista seja respeitado, entretanto nem sempre a mensagem que queremos passar é replicada com exatidão. Em muitos casos a mídia torna-se sensacionalista distorcendo os fatos para que consigam vender mais, então o que dá lucro é dizer que: “Mulheres histéricas e seminuas estão circulando pelas ruas exigindo que os homens sejam exterminados do planeta”. Infelizmente essas ações midiáticas acarretam repulsa e aversão da sociedade para com o movimento feminista, o que gera fake news e descaso da população em permitir-se conhecer mais sobre a filosofia e ações que são verdadeiramente em prol da equidade de gênero.

    2. Muitas mulheres feministas se encontram em uma posição dicotômica entre a sua atuação na luta feminista e a forma como se comportam em suas relações, visto que por mais que haja um processo de desconstrução em curso, todas e todos somos frutos de uma sociedade patriarcal. Isso significa que crenças machistas ainda podem influenciar o comportamento dessas mulheres em seus diferentes tipos de relacionamento (profissional, amoroso, familiar, etc). A partir dessa reflexão, qual seria a melhor forma de evitar que esse paradoxo (ser feminista e ter pensamentos/comportamentos machistas decorrentes do contexto patriarcal em que as mulheres se inserem) se torne mais uma forma de opressão contra as mulheres?

    A desconstrução de estereótipos, padrões e ações é um processo lento. Trabalhamos com incertezas e por mais desconstruída, livre de pensamentos tradicionais que uma pessoa possa vir a ser, sempre teremos pensamentos machistas vez ou outra inconscientemente, isso se dá pelo simples fato de que fomos criadas em uma sociedade patriarcal que tolera as mulheres e as vê como reprodutoras e submissas. Entretanto, devemos nos policiar a tais pensamentos. Cada um, independente de gênero, raça ou classe merece respeito, empatia e amor. Entenda seu lugar no mundo, o seu lugar de fala, olhe a história e aprenda com a luta de nossas antepassadas; as lutas não foram em vão. Para que possamos evitar o paradoxo de sermos influenciáveis, devemos consumir o máximo de informação possível, avaliar se são verídicas e formar nosso próprio caráter sem tapar os olhos para as atrocidades do passado.

    3. O conto da aia, de Margaret Atwood, é um romance fictício que se passa em um futuro muito próximo, na República de Gilead (que era, anteriormente, os Estados Unidos da América). Nessa república não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes, e as universidades foram extintas. O Estado é teocrático e totalitário e as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes, em uma sociedade em que elas perderam todos os seus direitos. Infelizmente, retrocessos como estes não ocorrem apenas na ficção. A história das mulheres iranianas é um exemplo disto – a partir da revolução islâmica em 1979, as suas vestimentas foram questionadas e, no início da década de 80, foi imposto um código de vestimentas obrigatório a estas mulheres. Nesse contexto, fica claro a fragilidade do direito feminino, descrito pela autora Simone de Beauvoir como uma concessão temporária. Com base no texto acima, escreva sobre a importância dos movimentos feministas para a sociedade brasileira e a manutenção dos direitos das mulheres.

    Apesar das inúmeras lutas e conquistas das mulheres nos últimos tempos, é alarmante a situação em que o Brasil se encontra em relação a violência, objetificação, feminicídio e inferiorização da mulher. Infelizmente ainda vivemos em um país patriarcal e extremamente machista, onde os direitos das mulheres são desprezados e mortes e mais mortes são arquivadas e esquecidas. A luta pela equidade de gênero é um marco histórico em todo mundo, entretanto, motivo para chacota pela sociedade. Os movimentos feministas enfatizam o direito ao mínimo em que uma mulher deveria receber: saúde, apoio, respeito, salários compatíveis com suas funções e não com o seu gênero. Mesmo que ainda hoje tenham projetos de leis esdrúxulas como o Projeto de Lei nº 5096/2013 de autoria de Eduardo Cunha, que visa dificultar mais ainda o acesso ao aborto seguro em casos de estupro, há também conquistas memoráveis. Entretanto, sem o movimento feminista e a luta de todas as mulheres, nada que conquistamos até hoje seria possível. Por mais que tenhamos conquistado ⅓ dos nossos direitos, muitas ações, projetos políticos, movimentos sociais ainda precisam ser reajustados para que o respeito e a equidade paire entre a sociedade e que todos tenham os mesmo direitos e reconhecimento.

    4. Segundo Alexandra Gurgel (conhecida pelo perfil @alexandrismos), em matéria para a Revista Trip - Uol, “quando a gente pensa na nossa sociedade, que é patriarcal, percebemos que o machismo é a raiz do problema. Os homens veem a mulher como objeto e como algo a ser possuído. A mulher tem que ser subjugada ao homem e o olhar que importa é aquele do homem sobre ela. Essa pressão existe de qualquer jeito, a pressão para ser perfeita. Há um padrão para ser seguido e quem se aproxima mais dele é mais bonito”. A partir dessa afirmação, nota-se que, de um lado, a mulher feminista luta contra a imposição desses padrões sobre o corpo das mulheres, e, por outro lado, ela mesma sofre essas imposições sobre o seu corpo, recorrendo, muitas vezes, a tratamentos estéticos ou cirurgias plásticas para se aproximar desses padrões. Isto posto, considera-se que, em geral, essas mulheres são julgadas, por diferentes grupos, tanto quando lutam, quanto quando cedem aos padrões de beleza. Como criar uma rede de apoio e acolhimento para que haja maior acolhimento e compreensão entre as mulheres independente de suas escolhas pessoais?

    A corrida pela padronização da beleza é algo doloroso, não somente físico, mas também psicológico. A busca incessante pela perfeição, pelo corpo perfeito, pelos padrões estéticos desejados, varia de geração para geração. Contudo, em pelo século XXI o que mais se vê são mulheres lindas atordoadas com pequenas imperfeições em seus corpos. As redes sociais, por mais benéficas que sejam em sua maioria, muitas vezes são um ambiente tóxico e deprimente. Com a pandemia pôde-se acompanhar nos jornais a alta procura por procedimentos estéticos devido à utilização exagerada de filtros em apps como Instagram, Snapchat, TikTok, entre outros. Com isso, presencia-se também movimentos feministas virtuais que cresceram descomunalmente como a hastag body positive sendo enfatizada pela brilhante Alexandra Gurgel. Uma das redes de apoio criada pela influencer é o perfil @movimentocorpolivre, no Instagram, que atualmente conta com mais de 400 mil pessoas. Não é necessário muito para criar uma rede de apoio, tudo que precisamos é de respeito, compreensão, entender seu lugar de fala, apoiar, incentivar e motivar pessoas.

    5. A partir de sua experiência, qual mensagem de motivação, força e empoderamento você poderia deixar para nossas estudantes, servidoras e mulheres da comunidade local?

    Entendo sua dor, entendo as dificuldades em que muitas mulheres vivem todos os dias e o que passamos em nossos lares, ambientes de trabalho, relacionamentos, ao andar na rua, ao respirar, ao existir. Entendo que exista dentro de si uma vontade enorme de desistir, até porque seria mais fácil, não teríamos que nos preocupar com o amanhã. Mas sabemos também a força que temos dentro de nossos corações. Então, antes de pensar em jogar tudo para o ar, levante-se, pegue um copo d’água, respire fundo e erga a cabeça, pois mesmo achando que não, sempre vai existir uma pessoa que se inspira em você todos os dias. Você não está só, entenda isto! Existe a sua volta uma rede de mulheres fantásticas com caminhões repletos de amor e compreensão para lhe abraçar, apoiar e incentivar sempre que possível. Caso você não tenha esse amparo, existem hoje projetos fabulosos onde você pode trilhar o seu caminho e encontrar uma rede de apoio incrível – foi o que eu fiz. Participo do projeto Meninas Digitais no Cerrado e fico imensamente feliz em poder contribuir para o acolhimento e ensino de outras mulheres que, assim como eu, visam um mundo melhor, com mais respeito, oportunidades e empatia.

     

     

    Equipe do Boletim IF em Movimento

  • IF Mulheres (entrevista completa do Boletim IF em Movimento)

    Entrevista integrante do Boletim IF em Movimento (dez/20)

  • Nepeds (entrevista completa do Boletim IF em Movimento)

    Entrevista integrante do Boletim IF em Movimento (dez/ 20)

  • O Napne e a formação para inclusão (Boletim IF em Movimento - mar/21)

    Por Lorena de Almeida Cavalcante Brandão Nunes
    Docente do Instituto Federal Goiano e membro do Napne

     

    No último boletim informativo, de dezembro de 2020, foram compartilhadas informações do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne) no tocante a objetivos, composição e ações, destacando-se práticas conduzidas durante a pandemia de Covid-19. De forma introdutória, abordou-se como o referido Núcleo tem ultrapassado a intencionalidade de assegurar, no âmbito do Campus Ceres do Instituto Federal Goiano, ingresso, permanência e êxito de estudantes com necessidades educacionais especiais. Nesta direção, houve relato de três pesquisas, desenvolvidas sob orientação da professora Dr.ª Maria Lícia dos Santos, integrante do Napne, voltadas para a inclusão escolar e para a promoção do desenvolvimento integral, que transcende a dimensão acadêmica, perpassando aspectos pessoais e interpessoais.

    Dando sequência a essa discussão tão relevante, propõe-se o diálogo sobre outras iniciativas que têm contribuído para que os discentes do Campus Ceres se sensibilizem diante da temática da inclusão escolar e desenvolvam competências que os permitam, em suas práticas profissionais, defendê-la e exercê-la. Sob essa finalidade, compartilharei algumas práticas por mim desenvolvidas no ensino de disciplinas das áreas de Psicologia e de Educação nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e em Química e na Especialização em Formação de Professores e Práticas Educativas.

    Há muito, discute-se sobre a importância de a formação inicial e continuada de professores ser dotada de uma dimensão práxica; ou seja, constituir-se sobre, na e para a ação. No entanto, no que se refere à inclusão escolar, tema basilar para a constituição da identidade profissional docente, ainda se constata uma discrepância entre a quantidade de materiais bibliográficos disponíveis abordando questões teóricas e contemplando experiências práticas.

    Tendo isso em vista, foram propostas, junto aos discentes dos cursos supracitados, discussões teórico-práticas acerca do conceito de desenvolvimento atípico, prevenindo que, futuramente, incorram na patologização e na psicologização de variações esperadas, e até mesmo saudáveis, do desenvolvimento humano típico. Abordou-se, ainda, a diferença entre necessidades educacionais especiais e queixas escolares, muitas vezes oriundas não de questões individuais dos estudantes, mas de aspectos institucionais que precisam ser revistos para a construção de uma cultura do sucesso escolar, em que o foco recai sobre a criação de condições favoráveis aos processos de aprendizagem e desenvolvimento, em detrimento do atendimento isolado a casos de dificuldades no processo de escolarização. Junto ao grupo de discentes do curso de Especialização em Formação de Professores e Práticas Educativas, cujas disciplinas apresentavam uma carga horária maior, foi possível a produção coletiva de cartilhas contendo orientações para a prática docente diante de necessidades educacionais específicas.


    Considera-se que essas práticas foram exitosas não apenas por permitirem a mobilização e a construção de competências imprescindíveis à prática docente, mas, especialmente, pela conscientização sobre a função social desse ofício. Abaixo, compartilho relatos de discentes que viveram essa experiência:

    “O estudo, na disciplina de Psicologia da Educação II, sobre o desenvolvimento típico e atípico e sobre a educação inclusiva foi uma experiência muito agregadora, que mudou a minha perspectiva e que possibilitou um olhar mais sensível acerca dessas temáticas, que pretendo aplicar à carreira profissional. Pude perceber que, como futura docente, devo olhar para os estudantes de forma individualizada, e não apenas para os que possuem algum laudo, mas para todos, enxergando não apenas dificuldades, mas também habilidades. Além disso, preciso reconhecer e respeitar o ritmo de aprendizagem de cada um, em como compreender condições externas ou institucionais que possam estar interferindo na aprendizagem, como o próprio relacionamento professor-estudante. Tudo isso precisa ser levado em consideração na preparação do ensino e no dia a dia em sala de aula, de forma que cada estudante se sinta acolhido e cuidado pelo professor e incluído no meio educacional, vivenciando uma aprendizagem significativa” (Josiane Soares Oliveira, discente do 4º período do curso de Licenciatura em Química).

    “Estudar a inclusão é algo indispensável para a formação de professores, porque nos permite conhecer saberes, métodos e técnicas relacionados a essa demanda. Para mim, foi muito importante também ver que a inclusão não se limita a questões de desenvolvimento típico e atípico. Precisa também haver uma inclusão diante de questões psicológicas e emocionais, o que nem sempre acontece, apesar de serem cada vez mais comuns. Debater esse assunto durante a formação faz com que o professor comece a ver tudo com um novo olhar e que reconheça que, assim como os estudantes, ele também possui limitações. Ninguém vem com o conhecimento pronto e é preciso ter sabedoria para compreender isso e buscar trabalhar da melhor forma na inclusão dos estudantes. Quem trabalha com educação quer ensinar a todos. Então, trabalhar com todos os discentes é o mínimo. Precisamos saber como incluir cada um, com suas dificuldades, preferências e afinidades” (Vitor Carvalho de Oliveira, discente do 4º período do curso de Licenciatura em Química).

    “A inclusão escolar, tema abordado na disciplina de Psicologia e Educação I, foi muito marcante para a minha construção enquanto professora. Através do documentário Borboletas de Zagorsk, mudei minha concepção em relação aos limites das pessoas. Percebi, à luz das ideias de Vygotsky, que qualquer um é capaz de aprender. Atualmente, estou lecionando no Ensino Fundamental I e trago comigo um olhar diferenciado em relação às dificuldades dos meus estudantes. Como professora, procuro a melhor forma de ensiná-los e sei que todos são capazes, independente de qualquer sorte de dificuldade” (Vanessa Rodrigues dos Reis, discente do 4º período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas).

    “Na disciplina Psicologia e Educação I nós vimos o documentário Borboletas de Zagorsk, que apresenta depoimentos de estudantes com necessidades educacionais especiais mostrando como a inclusão escolar impacta positivamente trajetórias de vida e contribui para a construção da cidadania. No entanto, ainda existem alguns preconceitos quanto ao fato desses estudantes aprenderem de forma diferente, mesmo que isso não seja algo exclusivo deles. Todos nós aprendemos de forma diferente, ainda que a metodologia aplicada seja a mesma. Então, cabe ao professor usar estratégias para auxiliar na aprendizagem de todos os discentes e ter a consciência de que ele também se beneficia com isso, porque está aprendendo formas diferentes de ensinar. Também é importante que a postura docente não seja de infantilizar o estudante com necessidade educacional especial. Por trás do laudo, há um sujeito pensante e crítico” (Wignei Junio Alves da Silva, discente do 4º período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas).

    “Foi muito importante trabalhar com a inclusão e com a diversidade durante a disciplina, e não só para o meu lado acadêmico. Foi muito importante para a profissão docente, porque pude olhar para as práticas em relação à inclusão e avaliar se, de fato, elas estavam sendo eficazes diante da diversidade existente em cada turma, da individualidade de cada estudante. E isso foi muito significativo pelo fato de que essa avaliação foi seguida pela idealização de ações possíveis objetivando ensinar de forma plural e igualitária. Não apenas estudamos metodologias e técnicas, mas participamos da construção de propostas e exercitamos a nossa autoria através da criação de uma cartilha, apresentando conceitos, materiais e sugestões para a prática docente” (Raphael Francisco Pereira, discente da Especialização em Formação de Professores e Práticas Educativas).

    “Quando o tema foi apresentado, ficamos curiosos e reflexivos, porque, na nossa sociedade, existe o estereótipo de que trabalhar de forma eficaz com estudantes que tem algum tipo de transtorno de desenvolvimento é quase impossível. Na nossa experiência, que passou por um processo de pesquisa, percebemos que a quebra de paradigmas é necessária e precisa partir do meio acadêmico e profissional. Diante disso, propusemos práticas que gostaríamos de exercer e de ver acontecendo nas escolas. Também recomendamos uma oficina de filmes voltada para a inserção no mundo autista, a partir da qual os professores consigam ver potencial em si e em seus discentes. Afinal, é necessário preparar para receber. Como diz Elisama Santos, é impossível cuidar da criança sem cuidar do adulto que cuida dela. Ao finalizar nosso trabalho, descobrimos que desafios surgem ao longo do caminho na carreira em que nos propomos a desempenhar. Cabe a nós decidir se vamos ficar com o que a sociedade diz em seus achismos ou se vamos nos instrumentalizar para a ação” (Lorrany Chinaglia Messias Valadares, discente da Especialização em Formação de Professores e Práticas Educativas).


    Professores mudam trajetórias de vida por meio da transformação de consciências. Favorecer, cada vez mais, esse processo é uma das intenções do Napne e contamos com cada servidor do Campus Ceres nessa missão. Somos todos educadores e potencializadores de mudanças na nossa sociedade!

     

     

     

    Boletim IF em Movimento
    Campus Ceres

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